quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Mesmo quando o cão ladra...

(re) Começando…

Avizinha-se um cão (sempre um cão!..) exibindo um semblante aparentemente compenetrado, pensativo,... Chega até a parecer inquieto, em seus próprios pensamentos, mergulhado no seu umbigo...

O cão aproxima-se e pára a nosso lado. Olhamos para ele como "quem não quer a coisa" (que expressão!), de soslaio, nítida mas discretamente a tirar as medidas ao infeliz que resolveu parar para suspirar... E pensamos "Porquê justamente AQUI?? Mesmo a meu lado... Pfffffffff... " (isto para não dizer "Foda-seeeeee..."). Sim, com tanto sítio, escolhe exactamente o ponto onde estou eu, a pessoa com o ar menos receptivo num raio de 3422003322 km's... Bem...

Ficamos calados. Eu continuo imóvel e, claro, em silêncio. Os meus adorados Ticos permanecem a fazer das suas e, como sempre, nunca os deixo ir de férias como tão alto apregoo...

Tempo passa…

Chego mesmo a esquecer-me que estás aí...

Olhas para mim... Eu finjo que não percebo. Cantarolo para mim de olhos em frente e tu chegas-te dois passos para mais perto. Eu dois para mais longe... Ainda agora chegou o animal e já a fazer diminuir a distância...

Suspira. Olha na minha direcção novamente. Dois passos... Três... "Ai o C******...", penso eu. Muito indiferente ao bicho, aparentando até alguma superioridade, confronto-o: "Desculpe, Sr Cão, precisa de alguma coisa?". A criatura demora-se a olhar-me, demora-se... demora-se. Começo a sentir umas lagartixas no estômago e meus olhos não sabem que destino procurar... A minha paciência começa a sentir que está a ser testada... Tolo, o canídeo. Com tão pouco...??

Viro-me mais uma vez para outras criaturinhas, desta vez meus adorados e tão estimados Tecos, familiares próximos de Ticos, como é sabido. É óbvio (!!) que o cão não me chateia, não me incomoda, muito menos me faz comichão na p*******. Não me nada.

O tempo passa...

Passa...

Esqueço-me que não estou sozinha... Até porque para mim estou. Sinto-me bem... Inspiro tão fundo que nem sei onde chego...

A audácia então manifesta-se: um pequeno latido...

"Porque és assim?", profere calma e tranquilamente. Uma pequena impaciência assalta-me, o contacto tem esse efeito em mim... Não viro a cara e mantenho os olhos fechados. A minha arrogância não me abandona: "Porque não quis nascer cão!". O indivíduo “caniforme” ri-se, tanto, mas tanto que parece rir-se de si, de mim, de tudo que já ouvira, que já lhe acontecera... A reacção provoca-me algum espanto e os meus olhos decidem por si voltar a algo mais terreno. “De que te ris???”, digo eu sentindo-me indignada mas insistindo em soar indiferente. “De ti, claro!”… Respiro fundo e resolvo em não querer saber o porquê daquela resposta, óbvia sim, mas não deixando de ser estúpida. O animal remata “A tua solidão transformou-te nisso??”

Os meus Ticos são então finalmente espicaçados. Comunicam com seus irmãos… Uma autêntica rebelião forma-se numa fracção de segundo e, quase sem pensar, ataco: “Está a falar comigo??” Viro a face…”Não deves estar a falar comigo… Cães não pensam, não questionam, muito menos falam!”… Penso ter enxotado o intruso no meu espaço, mas, para variar, engano-me… “Ainda não respondeste à minha pergunta… Foi a solidão que te fez assim? Deixa-me ajudar-te…” Uma gargalhada ecoa e percebo que acabara de sair da minha boca. Olho-o nos olhos, doces, invasivos, meigos e encobertos ao mesmo tempo… Há qualquer coisa neles que me distrai do verdadeiro objectivo das minhas palavras, entretanto ardilosamente já formuladas na minha cabeça. “Esqueci-me que o Sr. Cão já me conhece como a si próprio, peço desculpa pela minha indolência..” O animal sorri. Um sorriso meigo. “Aviso-te que não me afastas com o teu misto de agressividade camuflada de ironia e de arrogância subtil… Vejo além disso. És triste. E usas essas armas para afastares os mais desatentos. Não caio nessa. Não vou a lado nenhum.”
A minha paciência para a psicologia invertida é muito limitada, confesso… “FREUDicão, não é preciso afastares-te porque a minha de tão fácil leitura pessoa vai abandonar o recinto. Passe bem.”… Afasto-me passo e meio e o cão ladra. Estranho o recurso a este tipo de comunicação e paro. Ainda de costas, oiço: “Não percebes que haverá sempre um “cão” a pedir-te para abrires os olhos? O céu não é só o que tu vês… Se soubesses de que cores ele é feito..” Inspiro longa e demoradamente. Cansei-me de ouvir certas coisas… Prossigo o meu caminho…

O cão ladra.

Ladra…

Ladra…

Conseguiste ficar para trás…

“Ocultei a minha cobardia e a minha indolência sob o nobre disfarce da liberdade.”

Sucesso.